É entendimento pacífico na Anatel que o uso de repetidores/reforçadores de sinal por terceiros não prestadores de serviços de telecomunicações sem autorização configura ilegalidade e crime, à luz da Lei Geral de Telecomunicações - posicionamento este que é reiterado pela regulamentação editada pela Agência. O fato, quando constatado pela fiscalização, inclusive deve ser levado ao conhecimento do Ministério Público pela Agência, para que o mesmo apresente ao Judiciário a denúncia correspondente, se considerar pertinente.
Isso porque a autorização de uso radiofrequência é pré-requisito para a obtenção do licenciamento de uma estação de telecomunicações. Ademais, a autorização para uso de radiofrequência está atrelada a uma etapa anterior, qual seja, a obtenção de autorização para a execução de um serviço de telecomunicações. Assim sendo, não é possível a um usuário de um serviço de telecomunicações obter tal autorização, somente a pessoa autorizada a executá-lo ou prestá-lo possui tal outorga, conforme entendimento pacificado na Anatel.
O espectro de radiofrequências é um bem público, de fruição limitada, cujo uso é administrado pela Agência. Excetuando as faixas do espectro que são de uso livre, se respeitados os limites definidos para radiação restrita, nenhuma entidade ou pessoa está autorizada a iniciar atividade que envolva o uso do espectro, sem a autorização para o uso de radiofrequência. Isso porque o uso inadequado do espectro radioelétrico pode causar interferências prejudiciais não apenas aos serviços regulares de telecomunicações, mas também aos equipamentos de navegação de embarcações e aeronaves, sistemas de comunicação de ambulâncias, bombeiros, carros de polícia, aos serviços vinculados à segurança nacional, entre outros.
Como acima mencionado, o direito ao uso da radiofrequência é atribuído ao prestador de serviço de telecomunicações, conforme disposições emanadas da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), in verbis:
Art. 131. A exploração de serviço no regime privado dependerá de prévia autorização da Agência, que acarretará direito de uso das radiofrequências necessárias.
O uso da radiofrequência está associado diretamente à outorga de um serviço de telecomunicações, consoante pontua a Lei Geral de Telecomunicações, sendo impossível sua transferência sem que exista a transferência da outorga do serviço, in verbis:
Art. 163. O uso de radiofrequência, tendo ou não caráter de exclusividade, dependerá de prévia outorga da Agência, mediante autorização, nos termos da regulamentação.
§ 1° Autorização de uso de radiofrequência é o ato administrativo vinculado, associado à concessão, permissão ou autorização para prestação de serviço de telecomunicações, que atribui a interessado, por prazo determinado, o direito de uso de radiofrequência, nas condições legais e regulamentares.
Após obter a autorização para prestação do serviço de telecomunicações, no caso o Serviço Móvel Pessoal (SMP), a prestadora deve licenciar suas estações de telecomunicações, conforme a LGT:
Art. 162. A operação de estação transmissora de radiocomunicação está sujeita à licença de funcionamento prévia e à fiscalização permanente, nos termos da regulamentação.
No mesmo sentido, o art. 102 do Regulamento do Serviço Móvel Pessoal assim dispõe:
Art. 102. A prestadora deve licenciar todas as estações de telecomunicações envolvidas na prestação do SMP.
§ 1º A prestadora deve informar à Anatel o número de Estações Móveis por ela habilitadas para os fins indicados no caput.
§ 2º A Estação Rádio Base do SMP somente pode iniciar o funcionamento comercial após licenciamento específico.
§ 3º A Repetidora do SMP deve obedecer aos mesmos procedimentos estabelecidos para as Estações Rádio Base.
§ 4º O Reforçador de Sinais do SMP deve ser caracterizado como equipamento acessório da Estação Rádio Base não sendo objeto de Licença de Funcionamento.
§ 5º Para fins de licenciamento, o conjunto de equipamentos, dispositivos e demais meios, seus acessórios e periféricos, instalados em um mesmo local, destinados à prestação do SMP, quando operados por uma mesma Prestadora, nas subfaixas de radiofrequências definidas na regulamentação do SMP, são considerados como componentes de uma mesma Estação Rádio Base.
A Procuradoria Federal Especializada na Anatel assim se manifestou a respeito do tema:
No caso em exame, há uma total impossibilidade de terceiro fazer uso do espectro de radiofrequência mediante o uso do reforçador de sinal sem que exista uma autorização formal da Anatel nesse sentido. Não basta uma anuência da prestadora já autorizada a operar com o espectro de frequência, a autorização deverá vir diretamente da Anatel. Como dito alhures, a autorização da prestadora tem caráter personalíssimo, não podendo ela permitir que outrem faça uso do espectro autorizado originária e unicamente para ela. Enfim, não há como se admitir que uma pessoa faça uso do espectro de radiofrequência sem que tenha uma autorização para tanto.
Por fim, a LGT definiu como crime o desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação:
Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:
Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.
Art. 184. São efeitos da condenação penal transitada em julgado:
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
II - a perda, em favor da Agência, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem prejuízo de sua apreensão cautelar.
Parágrafo único. Considera-se clandestina a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de exploração de satélite.
Art. 185. O crime definido nesta Lei é de ação penal pública, incondicionada, cabendo ao Ministério Público promovê-la.
A utilização não autorizada do espectro de radiofrequências sujeita o respectivo infrator às penalidades definidas na regulamentação específica, em conformidade com o art. 75 do RUE/2016:
Art. 75. A inobservância dos deveres inerentes ao uso de radiofrequências, a qualquer título, sujeita os infratores às sanções aplicáveis pela Anatel nos termos do art. 173 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, do Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas e demais normas regulamentares aplicáveis.
O art. 173 da LGT prevê as seguintes sanções:
Art. 173. A infração desta Lei ou das demais normas aplicáveis, bem como a inobservância dos deveres decorrentes dos contratos de concessão ou dos atos de permissão, autorização de serviço ou autorização de uso de radiofreqüência, sujeitará os infratores às seguintes sanções, aplicáveis pela Agência, sem prejuízo das de natureza civil e penal:
I - advertência;
II - multa;
III - suspensão temporária;
IV - caducidade;
V - declaração de inidoneidade.
O uso não autorizado do espectro é considerado infração de natureza grave no âmbito da Anatel, nos termos do inciso VIII do § 3º do art. 9º do Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas (RASA/2012), aprovado pela Resolução nº 589, de 7 de maio de 2012, o qual dispõe:
Art. 9º As infrações são classificadas, segundo sua natureza e gravidade, em:
(...)
§ 3º A infração deve ser considerada grave quando verificada uma das seguintes hipóteses:
(...)
VIII - uso não autorizado de radiofrequências; (Redação dada pela Resolução nº 671, de 3 de novembro de 2016)
O art. 19 do anexo I do Regulamento de Uso do Espectro de Radiofrequências e que altera o Regulamento de Cobrança de Preço Público pelo Direito de Uso de Radiofrequências e o Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas, aprovado pela Resolução nº 671, de 3 de novembro de 2016, prevê a possibilidade de autorização do uso de radiofrequências, faixa ou canal de radiofrequências em caráter secundário. É viável, portanto, que um interessado, antes do início da utilização efetiva das radiofrequências pela prestadora autorizada em caráter primário, possa delas fazer uso.
Porém, há condicionantes:
- A autorização em caráter secundário é condicionada ao pagamento do preço público pelo direito de uso de radiofrequências;
- Nas áreas onde houver titular de autorização de radiofrequências em caráter primário com compromissos de cobertura, somente será autorizado o uso de radiofrequência em caráter secundário aos interessados mediante prévio acordo do titular da autorização em caráter primário.
- Nas áreas onde houver titular de autorização de radiofrequências em caráter primário sem compromissos de cobertura, poderá ser autorizado o uso de radiofrequência em caráter secundário aos interessados mediante prévia notificação de suas intenções ao titular de autorização em caráter primário.
No caso de áreas sem compromissos de cobertura, há previsão de um processo negocial relativamente complexo:
- Transcorridos 90 (noventa) dias da notificação e não havendo resposta do titular de autorização em caráter primário ou a resposta não contiver prazo específico para início da utilização efetiva das radiofrequências, pode ser autorizado o uso de radiofrequências em caráter secundário pelo prazo máximo do Regulamento (20 anos). Neste caso, o titular da autorização em caráter primário que decida utilizar radiofrequência já utilizada por autorizado em caráter secundário na mesma área deve negociar as condições de uso compartilhado das radiofrequências antes do uso da respectiva radiofrequência. Na hipótese das negociações não resultarem em acordo, o titular da autorização de uso de radiofrequências em caráter primário informará à Anatel o prazo, não inferior a 6 (seis) meses, para o início da utilização em caráter primário, ficando o titular da autorização de uso de radiofrequências em caráter primário obrigado a, nesse mesmo prazo, atender a área objeto da negativa de acordo nas faixas de radiofrequências em questão.
- Havendo resposta do titular de autorização em caráter primário no prazo de 90 (noventa) dias da notificação, especificando a data de início da utilização efetiva das radiofrequências, fica este obrigado a informar à Anatel e atender, na data prevista, a área objeto da solicitação nas faixas de radiofrequências em questão. Neste caso, o uso de radiofrequência em caráter secundário pode ser autorizado até a data de início da utilização efetiva das radiofrequências informada, ou pelo prazo máximo definido no Regulamento (20 anos), quando verificado que não há limitação técnica para utilização da radiofrequência por ambos.
Observa-se que o interessado em uso secundário de radiofrequência está sujeito a um custo de transação significativo e, de modo geral, submisso à programação do titular em caráter primário. Recorde-se, ainda, que a autorização das radiofrequências em caráter secundário exige que a prestação do serviço se dê em conformidade com a regulamentação vigente.
Compreende-se que o arcabouço jurídico neste campo restritivo tem como propósito prevenir e reprimir eventuais utilizações indevidas do espectro, impondo limites e parâmetros que permitam a fruição adequada dos serviços de telecomunicações.
Como visto acima, a Resolução nº 589/2012 e a Portaria nº 788/2014 estabelecem os procedimentos, parâmetros e critérios para aplicação da sanção administrativa. Há entendimentos recentes do Conselho Diretor desta Agência (por exemplo: acórdão nº 384, de 18 de julho de 2019, e nº 418, de 7 de agosto de 2019), no sentido de se afastar a aplicação da metodologia prevista na Portaria nº 788, de 26 de agosto de 2014, nos casos de uso de reforçador/repetidor de sinal para o SMP, considerando sua inadequação, pois essa metodologia não foi elaborada para o cálculo de multa referente a infrações praticadas por entidades que não são prestadores de serviços de telecomunicações, quanto ao uso não autorizado de radiofrequência decorrente da utilização desses equipamentos.
Por meio do Informe nº 6/2019/SFI (SEI nº 4235746), elaborado nos autos do Pado nº 53542.001512/2016-06, a SFI esclareceu que a metodologia aprova pela Portaria nº 788/2014, de fato, não vislumbrava punir o uso não autorizado de radiofrequência por meio de repetidores ou reforçadores de sinal por empresas não prestadores de serviço de telecomunicações:
3.25 Destaca-se que, à época da elaboração da atual metodologia, não se vislumbrava esse tipo de uso não autorizado de radiofrequência, por isso torna-se necessário de adequar a metodologia para a situação em comento.
Diante desta situação, que o autuado não aufere receitas de telecomunicações, pois não é prestador, entendeu-se não ser razoável utilizar metodologia de cálculo de multa que não se considera adequada à tal situação fática. Assim, firmou-se entendimento de se aplicar o valor mínimo estabelecido no anexo do RASA/2012 para infrações graves cometidas conforme se tratar de pessoa física ou jurídica.
Em resposta a solicitação de informações feita pela Ouvidoria, a SFI informou, por meio do Memorando nº 27/2020/FIGF/SFI, que foram encontrados 45 (quarenta e cinco) PADOs ativos (em curso) efetivamente envolvendo reforçadores/repetidores de sinais SMP, dos quais 12 (doze) se referem à pessoas físicas e 33 (trinta e três) envolvem pessoas jurídicas, das quais 1 (uma) de direito público. Destes 45 PADOs ativos envolvendo reforçadores/repetidores de SMP e que foram instaurados em 2019, foram identificados 22 (vinte e dois) casos de notícia-crime enviados ao Ministério Público ou à Polícia Federal em 2019.
O Poder Judiciário vem, em alguns casos, deixando de considerar o uso de repetidores/reforçadores de sinal como o crime do art. 183 previsto na LGT. Vide, por exemplo, o processo 53554.003863/2018-76, no qual o proprietário de um equipamento dessa natureza apreendido pela Anatel teve seu processo criminal arquivado. Os magistrados entenderam que não havia crime porque o aparelho não emitia sinal próprio de telecomunicação, mas tão somente amplificava o sinal recebido da ERB mais próxima - ou seja, o seu uso não configuraria crime de exploração clandestina de serviço de telecomunicações.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento do HC 93870/SP, realizado em 20.4.2010, de relatoria do Min. Joaquim Barbosa, considerou que o crime do art. 183 da Lei 9.472/97 consumar-se-ia quando houvesse habitualidade, enquanto o delito do art. 70 da Lei 4.117/62 (Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos) ocorreria caso inexistente reiteração da conduta. Nesse sentido, confira-se a publicação no Informativo nº 583 do STF:
Atividade Clandestina de Telecomunicação: Lei 9.472/97 e Lei 4.117/62
Ressaltou-se, inicialmente, que se tornaria necessário saber se o art. 70 da Lei 4.117/62 continuaria, ou não, em vigor, dado o disposto no art. 215, I, da Lei 9.472/97 (“Ficam revogados: I – a Lei 4.117/62, salvo quanto à matéria penal não tratada nesta Lei e quanto aos preceitos relativos à radiodifusão;”). Considerou-se que, como o próprio núcleo do tipo penal indica, desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicações seria um crime habitual. Destarte, enfatizou-se que quem, uma vez ou outra, utiliza atividades de telecomunicações, sem habitualidade, não pratica o crime definido no art. 183 da Lei 9.472/97, mas sim o disposto no art. 70 da Lei 4.117/62. Reputou-se que a diferença entre os dois tipos penais seria esta: o crime do art. 183 da Lei 9.472/97 somente se consumaria quando houvesse habitualidade. Quando esta estiver ausente, ou seja, quando o acusado vier a instalar ou se utilizar de telecomunicações clandestinamente, mas apenas uma vez ou de modo não rotineiro, a conduta estaria subsumida no art. 70 da Lei 4.117/62, pois não haveria aí um meio ou estilo de vida, um comportamento reiterado ao longo do tempo, que seria punido de modo mais severo pelo art. 183 da Lei 9.472/97. Assim, compreendeu-se que, no caso em análise, haver-se-ia de manter hígida a decisão, pois a denúncia esclarecera que os aparelhos de telecomunicações eram utilizados de forma clandestina e habitual pelo paciente no exercício da atividade de “lotação”, com o propósito de se comunicar com colaboradores da prática de transporte clandestino de passageiros e, assim, evitar ser flagrado pela fiscalização”. HC 93870/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 20.4.2010.