Qual é o contexto do problema?
A rede de distribuição de energia elétrica possui grande alcance nacional, considerando a essencialidade do serviço no desenvolvimento da sociedade. Atualmente, mais de 98% dos cidadãos possui energia em suas residências, o que comprova a sua capilaridade.
Tal infraestrutura foi desenvolvida pelas distribuidoras, por meio de recursos financeiros advindos, essencialmente, da tarifa paga pelos consumidores de energia. A expansão da rede elétrica é permanentemente financiada por esses consumidores, bem como as atividades operacionais necessárias para a entrega da energia elétrica nos padrões de qualidade regulamentados.
A capilaridade da rede elétrica constitui valiosa característica para o serviço de telecomunicações. De fato, tradicionalmente, a infraestrutura elétrica foi utilizada como indutor do desenvolvimento das telecomunicações, particularmente quanto ao uso dos postes afetados originalmente ao serviço de distribuição de energia elétrica.
Até a abertura do mercado, a ocupação dos postes pelas empresas de telecomunicações estava limitada a um participante, ou poucos outros, que ocupavam posições nos postes. No entanto, desde o início dos anos 2000, se observou um crescimento acelerado da expansão das redes de telecomunicações, motivado pela competição que o modelo regulatório perseguiu. Hoje é possível contabilizar até dezenas empresas de telecomunicações concorrendo por uma posição no ativo da distribuidora.
Não obstante o benefício ao consumidor da ampliação da oferta das telecomunicações, as consequências decorrentes dessa expansão acelerada são facilmente observadas nos postes das cidades brasileiras e sinalizam o nível de desordem da situação atual.
Se antes as distribuidoras gerenciavam uma demanda relativamente estável e que acompanhava sua própria expansão, atualmente, os mecanismos de controle da detentora do poste se mostram pouco efetivos e incapazes de gerenciar o crescimento atual e futuro do mercado de telecomunicações.
Verifica-se nos postes a ocupação de prestadoras com contrato regular, outras ocupando irregularmente, tendo em vista a quantidade de pontos contratados ser inferior ao que de fato ocupa, seja na quantidade de postes, ou na quantidade de posições ocupadas em cada poste. Há ainda, aquelas que ocupam clandestinamente, sem possuir sequer a contratação dos pontos com a distribuidora.
Por outro lado, a rotina de fiscalização das distribuidoras no controle de seus ativos tem se mostrado ineficaz para coibir tais práticas. Tal fato ocorre, entre outros motivos: pela impossibilidade de fiscalização constante de toda rede, por essa atividade não fazer parte dos serviços por ela prestados, por carência de recursos financeiros, entre outros. Ademais, o que é faturado a título de compartilhamento não é suficiente para remunerar suas rotinas para controle dos postes ocupados no atual estágio.
A instalação desordenada de redes pelas ocupantes, leva à negligência/violação das normas e dos procedimentos referentes à segurança e à operação das redes. Os esforços no poste não são mais controlados, a altura mínima de afastamento do solo não é respeitada e a própria faixa de segurança para a rede elétrica também é negligenciada. O ambiente instalado não está seguro como deveria ser.
Uma outra consequência da ocupação desordenada é o comprometimento da segurança da rede elétrica seja para os transeuntes, seja para os colaboradores das empresas de distribuição e até mesmo para os contratados das empresas que lançam seus cabos de telecomunicações. Práticas predatórias e de expansão desordenada, que vem se mostrando como um comportamento habitual no setor, tem contribuído para a deterioração dos níveis de segurança. Há falhas também na fiscalização dos próprios reguladores, principalmente na aplicação de instrumentos coercitivos às empresas, como multa ou a própria revogação da outorga daqueles que infringem os ditames normativos. São poucos os agentes que trazem a regularização para discussão na Comissão Conjunta. Além disso, é necessária atuação mais ativa, com foco na prevenção, e não apenas na punição.
Esses problemas de segurança mecânica e elétrica já têm sido inclusive percebidos em relatos sobre a ocorrência de acidentes laborais na instalação e operação de redes de telecomunicações. Não obstante os prejuízos materiais e imateriais decorrentes da ocupação desordenada, ainda são incipientes as medidas corretivas dirigidas à resolução do problema.
Além da pauta de segurança, a condição atual de postes representa também um obstáculo para a própria incursão brasileira nas futuras ondas de desenvolvimento tecnológico em telecomunicações. As principais tendências evolutivas em matéria de redes (fixas e móveis) apontam para uma dependência cada vez mais crítica de postes, enquanto infraestrutura essencial de suporte a essas infovias. E se nada for feito para reverter esse quadro de ocupação desordenada e alterar a dinâmica de incentivos vigente, o Brasil irá vivenciar uma trajetória muito dificultada na difusão das redes de acesso de fibra óptica (FTTx) e no desenvolvimento da quinta geração de comunicações móveis (5G).
Projeções do fabricante de equipamentos Cisco[3] dão conta de tráfego Internet global terá mais do que triplicado entre 2016 e 2021, seguindo uma taxa composta de crescimento anual de 26% e alcançando até lá o equivalente a 125 vezes de todo o volume de tráfego do ano de 2005. O consumo de vídeo será responsável por aproximadamente 80% de todo o tráfego da Internet em 2021, a velocidade média das conexões de banda larga será de 53 Mbps e um acesso domiciliar será responsável em média por cerca de 155 Gigabytes de tráfego Internet por mês.
Considerando esse cenário de crescimento exponencial do tráfego, a abordagem definitiva e perene capaz de efetivamente propiciar esse tipo de experiência no acesso fixo à Internet compreende o conjunto de soluções de rede de acesso de fibra óptica (FTTx), em suas diferentes topologias.
No Brasil, não é uma coincidência que os prestadores competitivos apostaram fortemente no lançamento de redes próprias de fibra óptica até a casa do assinante, buscando uma maior autonomia e flexibilidade na diferenciação de ofertas e na experiência do consumidor. Também os maiores operadores têm inserido em seu portfólio de investimentos planos de construção de rede óptica até a residência. Por óbvio que toda essa capacidade de rede está e se manterá altamente vinculada com a sustentação aérea em postes de distribuição de energia.
Quanto à quinta geração de comunicações móveis, para além do simples aumento das velocidades oferecidas por suas antecessoras, o 5G se pretende a uma oferta realmente massiva de comunicações de altíssima confiabilidade, de baixa latência, inclusive e especialmente entre máquinas. Para cumprir com todas essas expectativas, há um esforço grande da indústria em padronizar e disponibilizar novos segmentos de espectro. Mas tão importante quanto o aumento da capacidade espectral é o movimento de fortalecimento e adensamento das redes para aprimorar a capacidade de processamento e permitir o escoamento desse volume de tráfego gerado.
Com essa orientação de adensamento de rede e o emprego de frequências substancialmente mais elevadas, projeta-se para o 5G a adoção ampliada de soluções de raio cobertura mais reduzido, do tipo small cells ou hot spots WiFi, algumas de alcance limitado a dezenas de metros. Também por essa vertente o poste se revela fundamental, sendo provavelmente a principal infraestrutura candidata à sustentação aérea dos elementos irradiantes dessas small cells 5G. A mesma rede de postes deve ainda servir de suporte ao cabeamento de fibra óptica de conexão e transporte de tráfego (backhaul) das small cells 5G.
A título de ilustração, recente estudo da consultoria Deloitte[4] indica que mesmo nos Estados Unidos seriam necessários investimentos da ordem de US$ 130 a 150 bilhões em fibra óptica em um horizonte de 5 a 7 anos para dotar o país de redes ópticas suficientes para suportar a competição na oferta de banda larga fixa, a cobertura de áreas rurais e o adensamento das redes móveis.
Por tudo isso, o gerenciamento dos postes pelas distribuidoras necessita de aprimoramentos urgentes, considerando que a regularização do passivo é vital nesse processo. As regras de ocupação devem ser claras e respeitadas por todos os agentes, considerando que as normas de segurança se pautam por valores não meramente econômicos e se relacionam com a saúde e a vida da população.
A Resolução Conjunta nº 004/2014 representou um primeiro esforço, ainda que tímido, na busca pela regularização. Previu-se que 2.100 postes seriam regularizados por ano por cada distribuidora, número considerado pouco expressivo diante do legado da ocupação desordenada.
Conforme já mencionado, há na Base de Dados Geográfica da Distribuição (BDGD) da ANEEL o registro de aproximadamente 46 milhões de postes de distribuição de energia elétrica em todo o Brasil
De outra parte, informações da Anatel sustentam que em abril de 2018 havia 4.520 prestadores de banda larga fixa ativos que utilizam meios de acesso confinados e, portanto, demandam infraestrutura de suporte à operação do cabeamento de rede, nas tecnologias xDSL, Cable Modem, FTTH, ETHERNET, ATM, entre outras.
Em locais mais adensados, como capitais e regiões metropolitanas, esse número de prestadores é da ordem de dezenas de concorrentes, os quais disputam o espaço de fixação em postes para lançamento de suas redes. Ocorre que a padronização técnica de postes prevê que uma infraestrutura típica suporta algo entre 4 ou 6 redes sobrepostas na faixa de ocupação reservada a telecomunicações.
Evoluindo a investigação mais granular das realidades locais, apura-se que 80% dos municípios brasileiros contam com no máximo 4 ofertantes competitivos de banda larga devidamente informados à Anatel. Isto é, as condições econômicas de oferta e demanda por serviço nesses mercados não trazem, a priori, uma questão severa de esgotamento da capacidade dos postes em suportar as redes dos prestadores de serviços competitivos.
Já para os demais 20% dos municípios brasileiros, onde estão localizados 47% dos postes, essa é uma preocupação forte que merece uma análise mais detida. Para emular o nível de utilização da capacidade de postes em cada município, acrescenta-se à análise a informação da penetração do serviço de banda larga fixa, isto é, a proporção entre o número de acessos pelo número de domicílios existentes. É intuitivo reconhecer que quanto mais difundido o serviço de banda larga fixa confinada, maior será a ocupação da faixa compartilhada de postes na extensão territorial daquele município.
Dessa forma, assumindo que locais com mais de 4 prestadores concorrentes tendem a enfrentar alguma dificuldade de esgotamento da capacidade disponível em postes e que essa dificuldade segue uma medida proporcional ao nível de atendimento de cada município, chega-se ao número consolidado de até 9 milhões (20%) de postes elegíveis a um esforço de reorganização da ocupação já identificado hoje, conforme ilustrado na Tabela abaixo.
UF
|
Quantidade Total (BDGD)
|
Quantidade Identificada
|
Percentual
Identificado
|
AC
|
210.587
|
25.484
|
12%
|
AL
|
560.268
|
27.395
|
5%
|
AM
|
373.955
|
67.022
|
18%
|
AP
|
-
|
-
|
-
|
BA
|
3.371.098
|
193.195
|
6%
|
CE
|
1.921.132
|
198.046
|
10%
|
DF
|
269.206
|
185.377
|
69%
|
ES
|
787.372
|
157.332
|
20%
|
GO
|
2.297.018
|
397.035
|
17%
|
MA
|
1.614.771
|
49.505
|
3%
|
MG
|
5.900.339
|
1.000.040
|
17%
|
MS
|
1.221.641
|
193.790
|
16%
|
MT
|
1.872.408
|
178.670
|
10%
|
PA
|
1.672.120
|
69.070
|
4%
|
PB
|
1.140.532
|
84.046
|
7%
|
PE
|
1.866.207
|
135.014
|
7%
|
PI
|
973.443
|
50.505
|
5%
|
PR
|
3.077.217
|
977.856
|
32%
|
RJ
|
1.797.195
|
759.696
|
42%
|
RN
|
642.175
|
63.426
|
10%
|
RO
|
539.559
|
55.593
|
10%
|
RR
|
63.966
|
20.795
|
33%
|
RS
|
3.230.763
|
638.056
|
20%
|
SC
|
1.966.935
|
469.616
|
24%
|
SE
|
483.882
|
54.510
|
11%
|
SP
|
7.314.452
|
2.974.732
|
41%
|
TO
|
944.168
|
62.416
|
7%
|
TOTAL
|
46.112.409
|
9.088.221
|
20%
|
Importante destacar que essa simulação não contempla algumas soluções técnicas como o agrupamento de cabos visando ao uso racional e eficiente de pontos de fixação, tampouco considera peculiaridades regionais como a gestão realizada por algumas Distribuidoras em assegurar que a ocupação não ultrapasse os limites normativos estabelecidos.
Contudo, 9 milhões, isto é, 20% do total postes, representa uma boa e primeira referência analítica de postes possivelmente sujeitos a um esforço de unificação de redes ou de outras soluções técnicas que equacionam o problema da saturação. Naturalmente, somam-se a esse volume os postes com questões de não conformidade técnica na instalação do cabeamento de telecomunicações.
Diante de todo o exposto, cabe profunda reflexão sobre o atual modelo e uma definição clara sobre o que fazer para reverter esse cenário.